O Governo anunciou a intenção de rever o horário de amamentação. No entanto, o debate tem deixado de lado uma peça central: as mães. Falta escuta ativa. Falta evidência científica. E falta visão de futuro.
Como médica do trabalho, não posso deixar de alertar para os riscos.

O desafio demográfico: um país que envelhece depressa
Em 2023, Portugal atingiu um dos índices de envelhecimento mais altos da Europa. Além disso, a taxa de fecundidade ficou nos 1,43 filhos por mulher. Para garantir a renovação da população, seriam necessários 2,1.
Como resultado, nasceram apenas 83.915 bebés em 2022. Ao mesmo tempo, a idade média da mãe ao primeiro filho já ultrapassa os 29 anos.
Porquê tanta dificuldade em ser mãe?
Ser mãe em Portugal continua a ser um percurso solitário. Embora haja investimento em creches, isso por si só não basta. É essencial garantir tempo para maternar, oferecer apoio emocional e promover segurança no emprego.
Sendo assim, o horário de amamentação torna-se um instrumento fundamental. Vai muito além do ato de amamentar. É sobre vínculo, presença e dignidade.
Ser mãe é, ainda hoje, um percurso difícil
Ter filhos em Portugal pode ser solitário. Embora existam creches, isso não basta. As mães precisam de tempo. Precisam de apoio, segurança no trabalho e respeito pelas suas necessidades.
Por isso, o horário de amamentação é essencial. Não se trata apenas de alimentar. Trata-se de criar vínculo e presença.
O que diz a lei?
O artigo 47.º do Código do Trabalho garante duas pausas diárias, até duas horas no total, sem perda salarial. Este direito aplica-se até ao primeiro ano do bebé e pode ser prolongado com atestado médico.
Contudo, o Governo quer limitar esse prolongamento até aos dois anos. Isso contraria a recomendação da Direção-Geral da Saúde e da OMS, que defendem a amamentação até essa idade ou mais.
A exceção não pode fazer a regra
A ministra afirmou que algumas mães utilizam o tempo sem estarem a amamentar. Contudo, legislar com base numa exceção é perigoso. Pode prejudicar milhares de famílias que realmente precisam deste apoio.
A ciência é clara e consistente
Os primeiros 1000 dias de vida são decisivos. A presença da mãe ajuda a evitar:
- Stress precoce
- Ansiedade de separação
- Dificuldades na linguagem e no vínculo afetivo
- Perturbações do sono
Para a mãe, o benefício é também claro. O tempo de maternar reduz:
- Depressão pós-parto
- Burnout parental
- Sentimentos de culpa ou exaustão crónica
Além disso, muitas mães usam este tempo não só para amamentar. Usam para buscar os filhos, para estar com eles, para criar uma ligação segura. Isso é saúde pública silenciosa.
Não se trata apenas de “dar mama”
É estar presente, é acompanhar de perto, é cuidar com dignidade.
Trata-se de proteger a saúde mental da mãe e o bem-estar da criança. Mais do que um direito, é um alicerce para uma sociedade equilibrada.
Hora de mudar o nome e o olhar
Talvez o termo “horário de amamentação” já não sirva. “Horário de maternar” representa melhor o que está em causa. É tempo de cuidado, com impacto real na saúde, no afeto e no futuro.
Defender este tempo não é privilégio. É investir:
- Na saúde das famílias
- Na felicidade das crianças
- No futuro de Portugal
Conclusão: legislar com base na evidência e na empatia
Em suma, Portugal precisa de mães com tempo e apoio. Precisa de líderes que coloquem as famílias no centro das decisões.
Agora, de forma ainda mais urgente, precisamos de coragem para legislar com base na ciência, na empatia e no futuro que queremos construir.
O mundo precisa de mãe. E Portugal também.
Siga a GRAL nas redes sociais e não perca os nossos artigos de opinião.